Perguntas Frequentes sobre o TTC

 

1. O que é um Termo Territorial Coletivo?

O Termo Territorial Coletivo é uma tradução para o português do modelo de gestão territorial chamado Community Land Trust, inicialmente criado nos Estados Unidos. Os Community Land Trusts surgiram na década de 60, encabeçados por movimentos sociais norte-americanos. O primeiro Community Land Trust urbano só foi implementado em 1980, na cidade de Cincinnati. Desde então, a proposta vem sendo amplamente difundida em diversos locais, com centenas de experiências variadas ao redor do mundo, em países como Canadá, Inglaterra, França, Escócia, Austrália, Porto Rico, Bolívia e Quênia. A proposta principal deste modelo é fornecer moradia adequada e economicamente acessível perpetuamente, combatendo a especulação imobiliária sobre a terra e garantindo a segurança de permanência dos moradores em seus locais de moradia, além de promover o fortalecimento comunitário.

A tradução de Community Land Trust para Termo Territorial Coletivo busca valorizar a ideia de um acordo entre várias partes no gerenciamento do território que todos têm em comum. Nesse sentido, a terra é formalizada como propriedade da pessoa jurídica do TTC, sem fins lucrativos, criada e composta pelos moradores e por um conselho, sendo sua gestão feita de forma coletiva—sendo possível, inclusive, instituir regras para a gestão do território e compra e venda de imóveis, visando garantir a permanência da área para a moradia social. No entanto, os imóveis localizados sobre a terra do TTC (casa, quintais, comércios, etc.) são de titularidade individual (via direito de superfície), possibilitando a conjugação de interesses individuais e coletivos. Portanto, o Termo Territorial Coletivo (TTC) é um instrumento que une dimensões jurídica, social e de planejamento urbano tendo por objetivo garantir a permanência dos moradores em seus locais de moradia, oferecer habitação acessível de forma contínua e promover o fortalecimento comunitário.

De maneira geral, o Termo Territorial Coletivo tem como objetivos:

  • Garantir o acesso à terra e a segurança contra remoções e gentrificação para a população mais pobre e vulnerável às ações do mercado imobiliário;

  • Promover a gestão coletiva das terras inscritas dentro do regime do TTC, enquanto as construções sobre essas terras são de propriedade individual;

  • Promover a auto-organização de seus moradores e parcerias com técnicos de forma continuada, como forma de gestão do TTC.


2. Como se constitui um TTC?

Um Termo Territorial Coletivo (TTC) pode ser iniciado do zero, em um terreno sem construções, ou a partir da união de moradores em áreas já ocupadas e consolidadas, desde que tenham como objetivo a garantia da permanência da comunidade, seu fortalecimento e o fornecimento de moradias acessíveis de forma permanente.


3. Quais são os benefícios de criar um Termo Territorial Coletivo?

O TTC permite, além do fornecimento de moradia de qualidade e acessível e a segurança contra remoções, o desenvolvimento local liderado e orientado pela comunidade, essencial para atender as necessidades locais, preservar características consideradas importantes pelos moradores e promover o engajamento e organização necessários para abrir caminhos para outros projetos e melhorias. Além disso, conforme mais TTCs são formados, a força social organizada para demandar direitos aumenta, uma vez que os TTCs podem (e devem!) se unir para articular movimentos maiores que demandem por outros direitos e que se organizem para novas possibilidades de luta.

Uma vez que o proprietário das terras é o TTC, a segurança perante um processo de remoção aumenta imensamente, já que a propriedade da pessoa jurídica constituída pela comunidade abrange grande porção de terra—trazendo mais poder de barganha—e que o seu próprio funcionamento implica na auto-organização dos moradores junto a aliados técnicos. Dessa forma, além de ser necessária uma tentativa de remoção de toda a comunidade de uma só vez, o que já dificulta a ação do governo, o conselho de suporte profissional ao TTC aumenta a base de apoio técnico em uma possível tentativa de remoção.


4. Quem faz parte do conselho do TTC?

A organização tradicional do conselho de um Termo Territorial Coletivo é formada da seguinte maneira: (1) 1/3 de moradores do TTC, (2) 1/3 de aliados técnicos e/ou representantes de organizações ou do governo; (3) 1/3 de moradores do entorno. No entanto, ao pensar no Termo Territorial Coletivo para favelas, é necessária a adaptação deste conselho à organização e necessidades locais.

Portanto, uma sugestão (e que pode ser adaptada) para a formação do conselho, no caso das favelas, poderia se basear em três grupos formados por: (1) 1/3 de moradores do TTC, (2) 1/3 de profissionais que darão suporte e assessoria técnica à implementação e desenvolvimento do TTC, e (3) 1/3 de outros grupos locais com interesse direto sobre os objetivos do TTC em questão (inquilinos, comerciantes etc.).


5. Quem elege os integrantes do conselho do TTC?

Apenas os moradores integrantes do TTC.


6. A presença de pessoas externas no conselho gestor do TTC não poderia reduzir a autonomia da comunidade? 

Primeiramente, cabe lembrar que qualquer membro do conselho gestor deve ser eleito pela comunidade, que pode optar ou não por ter membros externos. As experiências internacionais apontam para a importância da presença de pessoas externas (sempre apoiadores históricos da comunidade) para evitar cooptação. Mas isso deve ser avaliado por cada comunidade de acordo com a sua realidade.


7. O que o conselho do TTC faz, exatamente?

O conselho do TTC é responsável por: (i) questões burocráticas envolvendo a propriedade coletiva; (ii) coordenar, buscar ou realizar ações de desenvolvimento local daquele território do qual é dono e (iii) fixar, coletivamente, as regras para o território (limitações de compra e venda para pessoas de baixa renda, direito a compra das casas, possibilidade de alugar, planejamento comunitário do território etc). Além disso, passa a representar a comunidade perante quaisquer negociações que envolvam o território (ameaças de remoções, fornecimento de serviços públicos etc.)


8. O TTC já foi implementado no Brasil?

Ainda não! Mas já há comunidades piloto - em processo de implementação - no Rio de Janeiro.


9. O Termo Territorial Coletivo (TTC) é uma forma de regularização fundiária?

O TTC deve ser precedido de um processo de titulação da terra, porém a proposta vai muito além da titulação em si. A titulação é apenas uma etapa para criar um TTC. O TTC é, na verdade, um modelo de gestão coletiva da terra de forma contínua e perpétua. 

No caso da constituição de um Termo Territorial Coletivo, a regularização fundiária é necessária para que a terra possa passar à propriedade da pessoa jurídica criada e gerida pelos moradores e, dessa forma, garantir a segurança da permanência da comunidade. Ao mesmo tempo, a fim de conjugar as necessidades individuais de liberdade, o TTC concede aos moradores a titularidade de suas construções por uma escritura de direito de superfície. Esse processo pode ocorrer de duas formas:

  1. Em um primeiro momento, a regularização fundiária serve para dar o título de propriedade aos moradores para que depois eles repassem a terra para a pessoa jurídica criada no âmbito do Termo Territorial Coletivo. Ou seja, a transferência da propriedade da terra é posterior à titulação individual, o que poderia ocorrer via compra e venda ou doação. Porém é altamente recomendado que, se este for o caminho, a pessoa jurídica já seja constituída - com todo o trabalho de decisão de como funcionará o TTC feito por moradores em conjunto - anteriormente ao recebimento da propriedade da terra pelos moradores, para que estes tenham clareza do que querem e acordo desde cedo em sua intenção mútua de se juntar–e de juntar os seus títulos–com o objetivo de criar um TTC. Em seguida, ao consolidar a propriedade da terra em nome da pessoa jurídica, o direito de superfície seria aplicado para a concessão de títulos individuais de propriedade da superfície (construções) aos moradores.

  2. No caso de transferência de terras diretamente para o TTC, primeiro é necessário constituir a pessoa jurídica para receber essas terras, ocorrendo a regularização a partir desta transmissão, já em nome do TTC. Trata-se de procedimento mais simples, mas muitas vezes impossível em áreas já consolidadas. 


10. Quem vai conceder o direito de superfície para os moradores do TTC?

Quem concede o direito de superfície é o proprietária da terra, ou seja, a organização sem fins lucrativos composta e regida pelos moradores no TTC. Ela garante o direito de superfície para cada residente, e esses contratos são registrados em cartório e contam com uma forte proteção legal. A pessoa jurídica criada para o TTC não pode cancelar os títulos de direito de superfície de cada morador. 


11. Como fica o direito de laje no TTC?

O direito de laje é uma espécie de direito de superfície e pode ser incluído no arranjo do TTC. Quanto à segurança das edificações, a ideia é trabalhar o TTC em conjunto com ATHIS (Assessoria Técnica para Habitação de Interesse Social) nas comunidades, garantindo um suporte profissional para garantir a segurança das habitações.

Ao agregar parceiros e apoiadores, junto com a mobilização dos moradores, o TTC tem o potencial de fortalecer e tornar a comunidade como um todo mais segura.


12. Qual a diferença entre o TTC, concessão de uso e titulação pela usucapião coletiva?

A principal diferença é que a concessão de uso e a usucapião coletiva são formas de titulação apenas, enquanto o TTC é uma forma perpétua de gestão coletiva da terra. Atualmente, grande parte das regularizações fundiárias em favelas são realizadas via concessão de uso ou usucapião. A constituição de um TTC necessita de um processo de titulação, mas o TTC não se restringe à isso.

A concessão de uso é a forma de garantir a moradia em áreas públicas (que não estão sujeitas à usucapião). Nestes casos, a propriedade da terra permanece com o ente público, sendo apenas cedido o uso por prazo determinado e com objetivos específicos.

Por sua vez, a usucapião coletiva é uma forma de aquisição da propriedade de áreas privadas que envolve a constituição obrigatória de um condomínio entre os contemplados. Ou seja, não se garante uma gestão coletiva do território, mas sim uma fração ideal da área para cada um dos titulares (modelo que guarda semelhança com o vigente em prédios/condomínios). A compra e venda dessas porções do terreno é livre, e isso enfraquece as chances de permanência da comunidade diante de ameaças do poder público e/ou do mercado imobiliário.


13. Qual a diferença entre o TTC e um condomínio? O TTC é uma forma de propriedade condominial?

Não. Na propriedade condominial cada morador é proprietário de uma parcela do imóvel, considerando terra e construção. No TTC a terra é da comunidade, por meio de pessoa jurídica criada para este fim, enquanto que as construções são de propriedade dos moradores individualmente.

Além disso, por não ser um condomínio, o TTC não necessariamente exige o pagamento de uma taxa mensal ou a eleição de uma pessoa “responsável” pelo território, como um síndico, permitindo outras possibilidades de gestão e custeio que sejam mais benéficas para os moradores.


14. Qual a diferença entre o TTC e o regime fundiário dos territórios quilombolas?

A diferença principal é que no regime fundiário das comunidades tradicionais há uma série de limitações quanto ao uso e transmissão do território. O TTC alcança um nível de proteção semelhante, mas trazendo um maior grau de liberdade individual.


15. Existe uma relação entre o TTC e as ZEIS?

Existe sim! Os instrumentos são complementares, já que ambos procuram vincular um território para habitação de interesse social, as ZEIS atuam de fora pra dentro, formando uma espécie de barreira, garantindo que em determinada área só possa haver construções de interesse social, enquanto que o TTC trabalha de dentro pra fora, promovendo a permanência e o desenvolvimento territorial/comunitário nos territórios.


16. Como ocorre de fato essa gestão perpétua das terras do TTC?

O TTC é um modelo de gestão coletiva do território constituído por uma organização social sem fins lucrativos que é formada pelos moradores para gerir a área definida pelas terras que fazem parte do TTC. Portanto, todos os integrantes do TTC possuem poder e voz para direcionar a gestão do território. Como o TTC passa a ser o proprietário da terra perpetuamente, NÃO PODENDO VENDÊ-LA, garante-se a perpetuidade de sua finalidade social, tipicamente garantindo moradia a preços acessíveis e a permanência da comunidade, impedindo o assédio de especuladores do mercado imobiliário e do próprio Estado, com a proteção mais efetiva para os moradores.

A gestão é feita pelo conselho, composto por moradores e apoiadores eleitos por eles! Serão estes os responsáveis por questões burocráticas, pela definição de regras e pelo avanço nas demandas dos moradores, por meio de um processo permanente de planejamento territorial coletivo. Além do conselho, devem ser previstas formas de participação direta dos moradores em assembléias, especialmente para a definição de questões mais sensíveis para a comunidade.


17. O que garante que a terra não seja vendida em um TTC?

A restrição à venda da terra no TTC pode ocorrer de diversas formas. Normalmente ela está prevista no estatuto social da organização sem fins lucrativos proprietária da terra. Mas essa restrição também pode estar prevista na própria legislação, assim foi o caso de Porto Rico com a Lei 489/2004, que cria o TTC e traz a impossibilidade de se vender ou dar em garantia a terra. Da mesma forma, no projeto de lei do novo Plano Diretor do Rio de Janeiro (PLC 44/2021 - Arts. 147-151), o TTC foi incluído como instrumento da política urbana, com um artigo que restringe a venda da terra por parte da pessoa jurídica proprietária.

Além disso, é possível também estabelecer uma cláusula de inalienabilidade a depender das condições da aquisição da terra pelo TTC.


18. Se a terra no TTC é privada, quem cuida da gestão pública?

A terra da propriedade é aquela correspondente aos lotes de cada morador. As áreas e equipamentos públicos, como ruas e praças, continuam sob titularidade e responsabilidade do poder público. Assim, o TTC conjuga uma gestão coletiva comunitária com a gestão pública para o adequado desenvolvimento do território.


19. Só os moradores fazem parte da equipe que gerencia o TTC?

Não. No modelo clássico, a gestão do TTC é compartilhada com apoiadores técnicos e grupos interessados, em terços, pois é fundamental distribuir a responsabilidade de tal forma que uma eventual maioria não decida abandonar o objetivo principal de garantir que o território permaneça acessível e forte para as futuras gerações. A gestão compartilhada com membros externos, eleitos pelos moradores, também reduz os riscos de cooptação da gestão do TTC por agentes externos, especialmente aqueles que pretendem exercer algum tipo de controle do território.


20. Qual é o modelo clássico de gestão do TTC? Ele é obrigatório para novas experiências?

O modelo tripartite é o arranjo clássico dos TTCs, tendo sido consolidado depois de décadas de experimentação com o modelo, e é adotado em muitos países no mundo. Sua estrutura básica é um conselho formado por: ⅓ de moradores, ⅓ de vizinhos do entorno e ⅓ de representantes do interesse público (e aqui podem ser incluídos técnicos aliados, membros do governo, etc). Chegou-se neste formato após uma compreensão de que seria importante ter uma multiplicidade de interesses representados no conselho, e que o TTC seja um reflexo da comunidade em um sentido mais amplo, não apenas dos moradores em si. Afastar o risco de cooptação de um grupo por outro também é um dos objetivos desse arranjo.

No entanto, é preciso ter em mente que o regime tripartite não é uma regra universal, e diferentes experiências têm a liberdade de definir formatos distintos. Em Porto Rico, por exemplo, eles optaram por um formato que garante uma maioria de moradores no conselho, e não prevê vizinhos do entorno. Pensando em um TTC para favelas no Brasil, a previsão de vizinhos no conselho gestor pode ser um problema também, dado o estigma enfrentado por esses territórios.


21. O TTC pode limitar o espaço de ocupação de terras? E pode limitar o gabarito? Limitar o crescimento da favela?

O regramento interno do TTC, estabelecido pelos moradores, pode estabelecer regras de ocupação e gabarito desde que dentro dos limites estabelecidos pelas leis que incidem sobre aquele território, assim como qualquer proprietário particular poderia fazer. Por exemplo, se temos uma área cujo gabarito é de 4 andares, o particular não é obrigado a construir os 4, pode decidir manter uma casa de 2. O mesmo se dá com o TTC!


22. E se a posse da terra for contestada, os ocupantes podem formar legalmente um TTC?

O TTC depende da formalização do direito à terra para existir. Em casos de conflitos fundiários, os ocupantes devem primeiro superar os entraves que impedem seu acesso à terra para depois constituir formalmente um TTC. No entanto, é importante que os moradores se mobilizem durante o conflito e fortaleçam sua organização coletiva, elementos fundamentais para o estabelecimento de um TTC futuramente. Assim, os moradores já podem iniciar a mobilização em torno do TTC durante um conflito fundiário, mas sua formalização apenas se dará posteriormente.


23. A equipe administrativa e equipe técnica do TTC é remunerada ou voluntária?

Provavelmente será necessário que as equipes administrativa e técnica trabalhem de forma voluntária inicialmente visto as dificuldades econômicas para a formação do TTC, principalmente em favelas. No entanto, é previsto que a equipe administrativa, pelo menos, passe a ser remunerada para coordenar as atividades, inclusive a assistência técnica direta no território do TTC.


24. Como o TTC vai conseguir juntar os recursos para poder remunerar a equipe administrativa e de assessoria técnica?

São várias as formas possíveis de obter estes recursos. Pode-se obter auxílio da iniciativa privada e de entes públicos, realizar atividades econômicas no território com fins de obter recursos (aluguel de imóveis, comércio, horta, etc), instituir algum tipo de pagamento ao TTC quando da transferência de imóveis ou mesmo uma pequena contribuição mensal dos moradores.


25. Como funciona o IPTU em comunidades com TTC?

Todas as casas de um TTC, como são formalizadas, passam a ter uma inscrição de IPTU.Em algumas comunidades elas estarão isentas, por se enquadrarem em alguma hipótese legal de isenção como metragem abaixo de um determinado patamar em outras o IPTU seria um custo decorrente da regularização. Mas o TTC fortalece o poder da comunidade de lutar pela isenção do imposto ou sua redução dado o caráter de interesse social das construções.


26. Só podem existir moradias na área do TTC?

Não. O objetivo principal do TTC é fornecer moradia adequada e acessível para a população, mas o TTC também possui o objetivo de proporcionar um desenvolvimento comunitário mais amplo. Dessa forma, podem existir outros usos nas terras do TTC que sejam de interesse da comunidade local, como: escolas, pontos de troca de produtos, estabelecimentos de saúde, locais de trabalho, áreas de lazer, hortas comunitárias e comércios. A definição desses usos é feita pelos moradores em parceria com a equipe de assistência técnica (ex: através do conselho, reuniões deliberativas, etc. de acordo com as definições de cada TTC) .


27. Quem são os donos das terras que fazem parte da área de um TTC?

As terras são de propriedade do TTC, a partir da pessoa jurídica sem fins lucrativos formada e gerida pelos moradores.


28. Como se configura a pessoa jurídica que materializa o TTC?

O TTC é um modelo de gestão coletiva conjugada com a garantia de liberdades individuais, que se materializa através de uma pessoa jurídica constituída por um grupo de moradores interessados nessa forma de gestão da terra. Para estabelecer um Termo Territorial Coletivo é preciso que haja um arranjo institucional que permita a gestão coletiva da propriedade da terra. Por este motivo, a melhor maneira dentro do marco jurídico brasileiro vigente para atingir esse objetivo é através da constituição de uma pessoa jurídica, na prática um conjunto de moradores e apoiadores que será eleito pelos moradores e irá representar os interesses comunitários na gestão do território.

Para constituir um Termo Territorial Coletivo, a pessoa jurídica a ser criada poderia estar sob algum dos formatos existentes na legislação brasileira de uma Organização da Sociedade Civil (OSC): associação, fundação ou cooperativa. No entanto, em qualquer uma das opções a organização formada não pode ter fins lucrativos. É preciso ressaltar que a pessoa jurídica não figura uma pessoa em si, ou um indivíduo, mas uma entidade constituída por meio de um conjunto de pessoas ou de bens detentora de direitos e deveres.


29. As terras de um TTC precisam ser, necessariamente, uma área contínua? Todos os moradores precisam aderir ao modelo do TTC para ele ser implementado?

Não. É possível estabelecer um TTC com imóveis que não sejam sequer próximos e não há a necessidade de que todos os moradores do local adiram à proposta. No entanto, é indicado que haja uma quantidade relevante de moradores interessados e de terras disponíveis para compor o TTC, a fim de que este possa potencializar seus efeitos de proteção e fortalecimento da comunidade.


30. Como o TTC, enquanto uma organização social sem fins lucrativos, vai adquirir ou receber a propriedade dessas terras?

A aquisição das terras pelo TTC poderá ocorrer de diversas maneiras, como através de compra e venda ou doação (por parte do governo ou grupos de moradores titulados), por exemplo. No entanto, o processo de compra e venda é o menos indicado uma vez que implica a necessidade de verba inicial para realização da compra.


31. É possível que moradores vivam de aluguel nas terras do TTC?

Sim, caso os moradores integrantes do TTC decidam estabelecer o direito de alugar os imóveis. Os moradores, enquanto gestores do TTC, podem definir, inclusive, um modelo de aluguel social para que moradores de baixa renda possam ter acesso à habitação.


32. Como ficam os moradores que moram de aluguel e que se interessem em integrar o TTC? Eles podem compor o TTC?

Os detalhes sobre os direitos e envolvimento dos inquilinos no TTC serão determinados pelos moradores que aderirem ao modelo no momento da realização de seu estatuto. No entanto, é indicado que os inquilinos possam compor o conselho gestor e possuir voz e voto nas assembleias designadas para discutir pontos de interesse da comunidade, considerando que eles são os moradores de fato e possuem vivência sobre as necessidades da comunidade. Entretanto, o direito individual sobre a construção deverá ser concedido para o locador.


33. É possível que novos moradores integrem a área do TTC depois dele ter sido implementado? Como ocorre esse processo?

Sim, é possível que novos moradores se juntem ao TTC por ocasião da compra de imóveis já pertencentes do TTC ou pela integração do seu imóvel à pessoa jurídica que materializa o modelo. Em ambos os casos, o morador deve a partir de então seguir as regras determinadas pelo conselho gestor, tendo direito à voz e voto nas determinações comunitárias.


34. Como o TTC lida com conflitos internos dentro de uma comunidade?

Os conflitos internos são um desafio para o TTC e para qualquer outro modelo ou instrumento que deva ser aplicado no território. Toda comunidade tem seus conflitos, e isso não inviabiliza um TTC, mas é preciso pelo menos que haja um desejo compartilhado de permanecer no território, e um senso de coletividade maduro. Para superar esses problemas, é importante haver na própria organização constituída para o TTC, bem como no seu regramento interno, mecanismos de conciliação e mediação de conflitos, que sejam de conhecimento comum e acordados por todos. A existência de objetivos comuns é fundamental para o sucesso de um TTC.


35. É possível desistir de participar do TTC? 

As terras adquiridas pelo TTC continuarão sob sua propriedade de forma permanente, apenas sendo possível sua extinção pela decisão unânime dos moradores. Assim, não é possível reaver a propriedade da terra, ou seja, essa parcela territorial é retirada do mercado imobiliário de forma permanente. Porém, moradores podem optar por vender suas casas e se retirar do TTC.


36. Como é o procedimento quando um morador das terras do TTC quiser sair do local, se mudar?

É possível vender as unidades construídas nas terras do TTC, caso seja do interesse de algum morador se mudar do local. No entanto, na hora da constituição do TTC é decidido se, e qual tipo de controle será estabelecido pelo TTC sobre esse processo de forma a garantir sua acessibilidade permanente para moradores de baixa renda. As possibilidades de controle por parte do TTC vão desde o estabelecimento de valores máximos de venda até a fixação de parâmetros para essas transações de modo a garantir o caráter de baixa renda para as habitações. Vale destacar que quaisquer limitações à liberdade de compra e venda dos moradores apenas poderá ser fruto de uma decisão coletiva da comunidade, de observância obrigatória pelo conselho gestor.


37. A regularização fundiária dá ao beneficiário autonomia para vender seu imóvel. O TTC não tira essa autonomia?

O TTC traz sim uma limitação na venda dos imóveis após a regularização, pois determina que apenas as construções podem ser vendidas, e nunca a terra. Isso faz com que um morador não possa vender sua casa pelo valor de mercado, por exemplo, pois a valorização imobiliária decorrente da regularização pode fazer com que ela não seja mais acessível. No entanto, o TTC dá um grau de autonomia também, por permitir que os moradores administram a casa segundo sua vontade, podendo vender, alugar, emprestar, deixar de herança, etc. É uma forma de harmonizar interesses individuais e coletivos, que existem em qualquer comunidade.


38. Só é possível vender a titularidade do imóvel para pessoas que fazem parte do TTC?

Depende do arranjo definido pela comunidade. O TTC pode impor restrições para a venda das casas, com o objetivo de manter os custos da moradia acessíveis, e garantir que novos moradores sejam também pessoas de baixa renda. Os novos moradores que adquirirem as casas em um TTC precisam concordar com as regras estabelecidas anteriormente.


39. E os "contratos de gavetas", como o TTC responde a isso?

A existência de mercados paralelos certamente será um desafio para o TTC, pois é um modelo que atua a partir da formalidade. Sabemos que práticas informais de compra e venda, empréstimo, aluguel muitas vezes não são escolhas, mas sim necessidades por conta dos altos custos e ausência do Estado nos espaços. Para formalizar o direito individual sobre a moradia, o TTC se utiliza da figura do direito de superfície, um título que pode ser comercializável, transferido a terceiros, deixado de herança, etc. Parte de nossos esforços também são destinados a pressionar por isenção de impostos e taxas cartorárias para moradores de TTCs, uma forma de viabilizar a formalidade nos contratos e reduzir custos. 


40. Se a propriedade da terra em um TTC é coletiva, como é que eu terei a propriedade privada da minha moradia?

A propriedade da terra no TTC é coletiva no sentido de sua gestão, sendo de titularidade da pessoa jurídica que materializa o Termo Territorial Coletivo (formada e gerida pelos moradores). Porém, a construção — a casa em si — fica sob titularidade individual a partir do direito de superfície, que garante a utilização da superfície do terreno e a propriedade das construções realizadas nele pelo morador.


41. Existe um modelo universal de Termo Territorial Coletivo que deve ser seguido por todos os locais que decidirem implementar um?

Não. O Termo Territorial Coletivo é um modelo altamente flexível e que pode ser adaptado a diferentes realidades. No entanto, existem características e condições básicas que precisam existir para a sua formulação que são: (i) adesão espontânea; (ii) terra de propriedade coletiva sob titularidade da pessoa jurídica que materializa o TTC; (iii) construções de titularidade individual pelo direito de superfície; (iv) gestão coletiva da propriedade; (v) acessibilidade econômica de forma permanente.


42. Qual seria o pontapé inicial para que um Termo Territorial Coletivo possa ser implementado em uma favela?

O primeiro passo necessário para formar um Termo Territorial Coletivo é a presença de interesse da comunidade em ingressar no modelo e participar do processo de construção e de implantação de um TTC em seu local de moradia. Por isso, é importante que, em um primeiro momento, lideranças locais, associações ou algum grupo de moradores estejam interessados em desenvolver o programa no local onde vivem. A partir desse primeiro interesse, é importante que exista, ou que seja construído, uma mobilização da comunidade local a partir dessa abordagem em relação à propriedade da terra, e que essa base esteja interessada na forma de gestão coletiva do território. 


43. Quais são as condições e características básicas que devem existir em qualquer favela para poder implementar um Termo Territorial Coletivo?

Qualquer favela que apresente as condições básicas para a implementação de um TTC poderá constituir um. São estas:

  • Comunidade consolidada com alto grau de pertencimento;

  • Alta porcentagem de famílias sem título a terra, porém com chance razoável de adquirir a terra;

  • Percepção/experiência com ameaça de remoção/deslocamento; e

  • Processo maduro de mobilização comunitária, apoiada por organizações da sociedade civil e aliados técnicos.


44. É possível iniciar a implementação de um TTC sem que haja o apoio do poder público ou de associações e organizações já existentes no local?

Sim. No entanto, ter uma base sólida de apoio facilita, e muito, a sua implementação. Como a proposta é para que seja implementado em favelas existentes - portanto em locais onde já estão presentes algumas instituições, associações e grupos - ter o apoio desses grupos através de parcerias, por exemplo, irá contribuir para o desenvolvimento do TTC. Já em relação ao poder público, é possível que um TTC seja implementado sem que haja apoio público ou político oficial, e esse é um dos pontos mais favoráveis do modelo: permitir uma auto-organização que não dependa de legislação específica ou apoio específico das instituições políticas ou públicas.


45. É possível implementar um TTC em área pública?

O TTC depende da formalização da propriedade privada, em nome de uma organização sem fins lucrativos composta e gerida pela comunidade, para ser implementado. No entanto, é possível começar um TTC em uma área pública. Mas deverá ser feita a regularização fundiária da área para que a terra passe a ser propriedade da comunidade.


46. Uma invasão irregular pode ser transformada em TTC?

Pode sim, com certeza. A mobilização em torno do TTC pode começar durante a ocupação, para depois lutar pelo direito coletivo à terra e pela formalização do TTC, a partir da regularização fundiária da comunidade. Para mais informações, fizemos uma cartilha com o tema: "Como Começar um TTC?". Pode acessar no nosso site: https://www.termoterritorialcoletivo.org/biblioteca-termo-territorial-coletivo/cartilha-como-comear-um-ttc


47. Existe alguma legislação urbana específica para o Termo Territorial Coletivo no Brasil?

Sim! No final de 2021 foi aprovada a primeira lei que prevê o TTC no país: o Plano Diretor de São João de Meriti. O TTC também está sendo discutido no Projeto de Lei do Plano Diretor do Rio de Janeiro (PLC 44/2021 - Arts 147-151).

No entanto, é preciso ter em mente que é perfeitamente possível criar um modelo de Termo Territorial Coletivo sem uma legislação específica sobre o tema, pois é possível fazer uso de instrumentos jurídicos já existentes no Brasil. Para mais detalhes sobre as possibilidades de aplicação de um TTC no Brasil a partir da legislação já existente, consulte a série explicativa disponível em: http://rioonwatch.org.br/?tag=serie-conhecendo-o-ttc.


48. Já existe algum modelo implementado bem sucedido de Termo Territorial Coletivo em favelas?

Sim, em Porto Rico. Por lá temos o chamado “Fideicomiso de la Tierra” nas comunidade do Caño Martín Peña. A proposta original do Community Land Trust não prevê aplicabilidade direta em favelas, mas por ser um modelo bastante flexível e passível de ser adaptado a diferentes contextos e necessidades, e por ser desenvolvido exatamente para responder a contextos mais vulneráveis ao mercado imobiliário especulativo, ele se tornou uma ferramenta de interesse para atender a demanda por segurança fundiária e fortalecimento comunitário em favelas. 


49. Como garantir que quem for comprar a terra não vai ser uma pessoa de perfil de outra classe, ou com um interesse de especulador? A gestão do TTC tem alguma forma de controle sobre o perfil do comprador?

Sim. O TTC pode estabelecer critérios para o perfil de novos moradores, como, por exemplo, que apenas moradores de baixa renda possam adquirir as unidades habitacionais e que um mesmo morador não possa adquirir diversas unidades habitacionais. O TTC pode ainda estabelecer uma fórmula que determine o valor de compra e venda ou que o TTC tem direito de preferência para a aquisição das construções, mantendo uma lista de espera de pessoas que sejam qualificadas sob critérios socioeconômicos. Finalmente, seja por um processo intencional como estes que garantem a manutenção do público que irá se beneficiar do TTC, ou simplesmente por ter retirado a terra do mercado - e consequentemente do preço da venda -, assim deixando grandes especuladores desinteressados, o TTC sempre resguarda a comunidade em relação à especulação imobiliária.


50. Como impedir o avanço da milícia sobre comunidades que estabelecem um TTC?

O controle territorial por grupos paralelos é um grande desafio, já que prejudica a mobilização comunitária e participação dos moradores nos rumos do território. Mas acreditamos que quanto mais fortalecida e organizada uma comunidade for, menos espaço esses grupos encontrarão para impor sua vontade, e é por isso que modelos habitacionais coletivos como o TTC e mesmo cooperativas podem ajudar a frear a atuação desses grupos.


51. Essa área que se torna parte do TTC se torna uma área privada? Como é a entrada do governo? O governo continua com responsabilidades? 

Sim, o governo continua com as suas responsabilidades em fornecer melhorias de serviços sociais e de infraestrutura na área. O que é alterado é que a pressão coletiva para reivindicar esses direitos é aumentada com a formação de um TTC. Há, inclusive, a possibilidade do TTC estabelecer um planejamento territorial a partir das necessidades e desejos dos moradores e buscar recursos públicos e privados para realizar as intervenções necessárias. 

As melhorias são possibilitadas pela união e organização dos moradores e das demandas endereçadas ao poder público. O TTC demanda do governo não um favor, mas uma obrigação. O objetivo é manter sempre a comunidade unida, buscando uma transformação social a longo prazo, a partir de um trabalho cotidiano.


52. Me interessei pela proposta. Mas como posso começar a formação de um Termo Territorial Coletivo?

A construção de um Termo Territorial Coletivo envolve um trabalho de longo prazo de reflexão dos moradores sobre seu território, análise das possibilidades existentes para melhoria das condições, apresentação do TTC, mobilização comunitária, planejamento territorial e estruturação do TTC. Portanto, tenha em mente que é um processo demorado, mas possível de ser realizado e que vale muito a pena. Vá de porta em porta, converse com os seus vizinhos, com a associação de moradores local e com outras organizações existentes no local para articular apoiadores do projeto e, aos poucos, fazer a proposta ser consolidada.

Este processo precisa começar com a vontade dos moradores de transformar a sua realidade e garantir a permanência da comunidade mantendo suas qualidades. Mas caso você queira começar um TTC, não precisa passar por esse processo sozinho! Pelo contrário, no Rio de Janeiro contamos com um amplo Grupo de Trabalho, formado por diversos mobilizadores comunitários e aliados técnicos de diversas instituições públicas e da sociedade civil, prontos para ajudar!

Entre em contato com o GT do TTC pelo email ttc@comcat.org ou o Zap (21) 99835-0613.